Fonte: O Globo – 27/04/2018
BRASÍLIA — Enquanto famílias, empresas, bancos e governo tentam diminuir o nível de inadimplência no país, um segmento ganha muito dinheiro com isso. Segundo levantamento do GLOBO nos dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), os cartórios já lucraram R$ 42,7 bilhões somente com protesto de títulos nos últimos 13 anos. Apenas nos últimos seis meses, a arrecadação foi de R$ 2,9 bilhões. De acordo com fontes da equipe econômica, a previsão é que os protestos caiam 40% se o cadastro positivo for, enfim, aprovado pelo Congresso. E apontam justamente representantes do setor como uma trincheira de resistência contra a medida. Se as apostas dos técnicos se confirmarem, os cartórios poderão perder algo em torno de R$2,3 bilhões por ano.
Representantes dos cartórios acompanham de perto as tentativas frustradas dos deputados de votar o projeto de lei do cadastro positivo há quase um mês. Se aprovado pela Câmara e chancelado pelo Senado, a expectativa é que as liberações de empréstimos serão mais criteriosas e o número de protestos deve desabar no país.
O GLOBO levantou o faturamento de cada um dos quase 4 mil cartórios que tiveram protestos no Brasil. O campeão não está num grande centro, como era esperado. É um cartório da cidade de Tuntum, no Maranhão. Lá, os protestos já renderam R$ 902 milhões. É seguido no ranking dos que mais faturam com protestos por cartórios de Goiânia, Pindoretama (CE), Barueri (SP) e Queimadas (PB). Um representante de São Paulo, cidade mais populosa do país, aparece em apenas no oitavo lugar.
Cláudio Marçal, presidente da Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg), rebate as críticas. Diz que a entidade é favorável ao cadastro positivo. E que a mudança pode até favorecer os cartórios que ganharão mais porque mais negócios serão gerados no país.
— Por que os cartórios seriam contrários a uma coisa que é positiva? Nossa missão é diminuir conflito. Todo mundo gosta de falar mal de cartórios, mas estamos aqui para colaborar — frisou.
Preocupada em aprovar logo o tema, a equipe econômica admite internamente que colecionou erros nas negociações desse projeto, que é visto como uma das principais ações para a redução dos juros no Brasil. Um deles foi a comunicação com os parlamentares, que — na visão de técnicos ouvidos pelo GLOBO — provaram na tribuna que não entenderam totalmente as mudanças que devem ser feitas se a lei for aprovada.
A principal confusão é o possível favorecimento aos bancos, argumento de parlamentares contrários à proposta. Nas últimas sessões da Câmara, os técnicos tentaram explicar a alguns líderes que as instituições financeiras já têm acesso a todos os dados na central de risco do Banco Central. Atualmente, qualquer banco pode pesquisar todas as operações feita por uma pessoa mesmo em outras instituições.
— Quem diz que isso é para favorecer banco está enganado. Pelo contrário, é para favorecer o comércio, que vai poder parcelar os produtos com juros menores — falou um técnico sob a condição de anonimato.
Durante mais de três semanas, integrantes da equipe econômica tentaram explicar que os bureaus de crédito (como o SPC e a Serasa) não vão divulgar os dados bancários, mas uma nota. Essa avaliação será feita como as das agências de classificação de risco. A nota do Brasil com a Standart & Poor´s, por exemplo é BB-. Isso significa que o país não tem o selo de bom pagador e não pode receber vários tipos de investimentos.
As negociações com o deputado Celso Russomano (PRB-SP) também atrapalharam o andamento do projeto. O governo aceitou colocar no relatório apresentado pelo deputado Walter Ihoshi (PSD-SP), mudanças propostas por Russomano, mas a avaliação da equipe econômica é que os argumentos do parlamentar de que é quebra de sigilo bancário contaminou as discussões.
— Se o cara está protestado, ele está com o nome sujo. Eu não vejo no que o cadastropositivo ajudaria nessa história. Não tem nada a ver uma coisa com a outra — falou Russomano.
Segundo o deputado, falar mal de cadastro é tirar o foco da real discussão: a quebra do sigilo bancário. Ele se diz favorável ao cadastro positivo como é em outros países. A nota é feita pelo banco em que o cidadão é cliente. Ele é contrário ao repasse dos dados para os bureaus de crédito. O deputado fala ainda que outro problema é deixar informações negativas por 15 anos e não como cinco como é hoje:
— Mexer no sigilo bancário é tirar o direito do consumidor. E se o Senado tirar tudo o que a gente colocar? O Senado é a casa revisora. Eu ando muito preocupado com isso.
As pesquisas de intenção de voto para presidente apontam um quadro desafiador para os candidatos de centro, que são particularmente impactados pela criminalização da política e indignação da sociedade com o desastre econômico.
Esse quadro vem azedando o humor do mercado financeiro, pois candidatos políticos de centro são vistos como mais equipados para aprovar reformas, por conta de uma maior capacidade de diálogo e negociação no Congresso. Não políticos e candidatos de extremos poderão enfrentar mais dificuldades e a ter uma curva de aprendizado mais lenta na Presidência. Já sentimos na pele o custo de gestora inexperiente.
A incerteza política e o comportamento recente dos preços de ativos podem contaminar a confiança dos empresários, que tendem a ser mais cautelosos nas contratações e no investimento.
A inação do governo na agenda econômica agrava o quadro. Não se observa empenho suficiente para a aprovação de reformas estruturais, e na falta da agenda “positiva”, pode prevalecer a agenda “negativa” de concessões de benefícios, como nos generosos Funrural e Refis das micro e pequenas empresas.
Há muitas medidas estruturais na mesa, e este é um grande mérito dos técnicos do governo. Mas o risco de “morrerem na praia” é grande. Não são agendas fáceis, pois para cada distorção no nosso sistema produtivo há um setor que se beneficia e tenta preservá-la, com prejuízo dos demais.
As reformas cujo debate parece menos maduro, como a privatização da Eletrobrás e autonomia do Banco Central, terão mais dificuldade para serem aprovadas este ano. Mas há um amplo conjunto de medidas que poderiam avançar.
Vale citar algumas.
O aprimoramento do cadastro positivo prevê a adesão automática de consumidores (exceto manifestação contrária) aos chamados birôs de crédito. Essas instituições coletam informações de pagamentos em dia dos consumidores, inclusive as contas de consumo, e, utilizando métodos apropriados, atribuem notas à capacidade do consumidor de honrar seus compromissos. O objetivo é aumentar o acesso ao crédito e reduzir seu custo, ao elevar a capacidade das instituições financeiras de identificarem os bons pagadores.
O cadastro positivo é amplamente utilizado no mundo há décadas. Há oposição de grupos associados à defesa do consumidor que temem o vazamento de informações, algo despropositado diante de todos os cuidados tomados.
A criação da duplicata eletrônica amplia a utilização de ativos que podem servir de garantias de empréstimos, ao aumentar a segurança de credores. Atualmente, há muitas “duplicatas frias”. Um exemplo é quando uma mesma duplicata é utilizada como garantia de mais de um empréstimo. A burocracia também será menor.
Na regra atual, em caso de inadimplência, a duplicata é executada mediante o protesto em cartório. Com o registro eletrônico, isso não será necessário. Há, naturalmente, muita resistência dos cartórios a esta medida que muito irá contribuir para a redução dos juros e o crescimento desta modalidade de crédito.
A lista é extensa e ampla, incluindo temas como a regulamentação do distrato (para reforçar a segurança jurídica no mercado imobiliário), simplificação tributária e a recuperação financeira de estatais. Há também o trabalho do Ministério de Minas e Energia – um dos grandes destaques do governo Temer – para reformular os marcos regulatórios de mineração e do setor elétrico, que foi praticamente engavetado.
O governo tem falhado nesta agenda e parece descartar medidas que não trazem ganhos políticos palpáveis, mas que contribuiriam muito, não só para destravar o crescimento de longo prazo, mas também para reduzir o risco eleitoral, ao elevar a competitividade de candidaturas de centro.
Não estamos diante de uma eleição qualquer, devido ao grande descrédito da sociedade na classe política. Os cálculos políticos, portanto, precisam incluir o cuidado com a agenda econômica. Ou 2018 poderá terminar mal.
Não estamos diante de uma eleição qualquer, por causa do descrédito dos políticos.
protesto de titulos